09 - LUÍZA E PEDRO BATISTA
09 - LUÍZA E PEDRO BATISTA

A rocha e a centelha.

Pedro Batista de Azevedo, meu tio, primo de Luíza, também minha tia, era casado com Alzira por volta do ano de 1938. Um tempo em que Luíza era apenas uma adolescente.

Pedro, quando novo, era uma pessoa muito animada, vivaz, festeiro. Era promovedor de forró e de festas de cantorias com sanfoneiros, mas Deus o alcançou e o escolheu. Ele foi um dos primeiros evangélicos em sítio Piranhas, interior de Mossoró, RN, por meio da pregação do Pastor Francisco, depois, sob os cuidados do pastor “Ramirão” e João Queiroz. Tornou-se o primeiro crente entre os Batistas.

Pedro e Alzira tiveram três filhos. Silvino, apelidado de “Nego”, Carmelita, chamada “Quinha” e Severino, o “Severo”, este falecido quando adulto. O quarto filho não chegou a nascer. Infelizmente Alzira faleceu no parto, em 1946.

Pedro sentiu-se desolado com seus três filhos pequenos. O mais velho tinha apenas sete anos, o do meio, cinco, e Carmelita contava com apenas três anos de idade. 

Uma solução temporária logo veio a surgir com a decisão de seu irmão, José Batista, apelidado de “Nego”, que resolveu morar com Pedro,  juntamente com sua esposa Sebastiana, alcunhada de “Baiana”. Vieram para dar apoio  àquela sofrida família até que a situação se resolvesse.

A maioria dos Batistas morava perto uns dos outros, e em horas como essas todos se ajudavam. Para José Batista, e sua esposa, seria menos difícil  tal atitude solidária, uma vez que os mesmos não tinham ainda seus filhos.

Não muito tempo depois, tendo sua viuvez amenizada, Pedro começa olhar em outra direção e seus olhos encontraram uma mocinha, meio franzina, que ele bem sabia quem era. Na verdade era sua prima Luíza,  uma menina aparentemente sisuda. O irmão de minha mãe iria casar-se com a irmã de meu pai, atitude costumeira entre os Batistas.  Costumo dizer que Deus protegeu bastante essa família com tantos laços consanguíneos. 

Toda família convive com dois extremos compreendidos como altos e baixos. Vez em quando o lado emocional das relações fica meio estremecido, vez ou outra, mas de forma generalizada paira a união, o prazer do convívio, as comemorações em família, de um modo geral. Minha família só tinha motivos para celebrar.

Em Fevereiro de 2015 reunimo-nos em uma bela chácara para comemoração das bodas de prata de João Helder Diniz e sua esposa Isa. Uma mistura das famílias Batista/Alves/Diniz, etc. Também se achavam presentes alguns dos irmãos de João Helder, recém-chegados da África do Sul, onde trabalhavam. Outros familiares dele; estariam, mais tarde, retornando definitivamente para o Brasil, dada a crise atual.

Foi uma maravilhosa festa. Aquela alegria ao rever os tios e primos em um ambiente ao ar livre,   praticamente às margens do rio São Francisco, questão de metros,  com muito verde em volta.

Três dias   depois combinamos ir à  roça de Maria Adelma, atual mulher de meu pai, João Alves.  Como falou minha prima Noeme, oriunda de São Paulo  exclusivamente para essa festividade,  Maria tinha o rio São Francisco completamente deitado  em seu quintal. 

Éramos quase vinte pessoas,  dentre jovens e idosos como tia Margarida e tia Dôra, mãe de Edileuza.

O velho Chico estava raso o que tornava o banho menos perigoso e muito agradável.

As crianças eram de uma algazarra só,  contemplando aquela imensidão de água,  enquanto outros tomavam conta do almoço, cozinhado por meio de um fogão à  lenha, debaixo de  umas maravilhosas árvores frondosas, pés de mangueiras. Os responsáveis por essa tarefa era Maria, meu pai e o irmão dela, Edivaldo. 

De forma natural, nós mulheres,  as de idade mediana: eu, Auzinetti, Nina, Edileuza, Mônica, Noeme, alguém mais que não lembro, formamos um círculo, com a água do são Francisco na altura dos joelhos, e ficamos conversando sobre nossas famílias, da alegria de estarmos ali. Lembramo-nos, inclusive, de quem já tinha partido. Duas delas   amariam estar nesse evento conosco. Suas personalidades eram de completa alegria, algazarra e  folionas, minha querida mãe Laura e minha também falecida cunhada Fafá, embora esta fosse um tanto contida. 

Noeme fez referência à minha mãe também e disse que entendia minha saudade apesar dos cinco anos que fazia, pois ela ainda sente a falta da mãe dela apesar das décadas que já se passaram. Alguns supunham, erroneamente, que nossa saudade, nossas lágrimas, ainda, vez ou outra, era um eterno luto. Não era verdade.

Foi aí que lembrei a Noeme que estava escrevendo a história dos pais dela e queria saber se tinha uma historinha por trás ou foi apenas mais um casamento. Havia alguma coisa sim, e ela começou a contar:

“Minha mãe, disse ela, tinha perto de 17 anos...  Isso em 1946. Era uma menina adolescente que vivia na vizinhança. Era órfã. Primeiro morreu o pai dela, como vocês bem conhecem a história, reafirmou. Três meses depois perdeu a mãe.  Ela e os irmãos permaneceram juntos na casa dos pais.

Por decisão de parentes foi separada de suas duas irmãs, Margarida e Raimunda, que foram levadas para o orfanato. Minha mãe, quando as viu partindo, implorou ao irmão mais velho, Diomédio, para ir junto. Mas ele não aceitou. Seu irmão era uma pessoa de temperamento duro, severo e inflexível com ela e seus irmãos. Diomédio ficou morando na casa dos pais com os demais irmãos.

Não demorou muito para os irmãos perceberem que a casa era mal assombrada. Ouviam barulhos, batidas, pratos caindo, portas batendo (inclusive nossa tia Tereza confirmou e disse que a “assombração” era percebida por pessoas de fora).

Os irmãos não aguentaram viver dentro de casa e todos foram para debaixo de uma mangueira, eles improvisaram com lonas um abrigo, até Diomédio construir outra casa. 

A seguir, esse seu irmão mais velho casou-se  e minha mãe  era uma ajudadora dentro daquela casa, bem como, mais tarde, também cumpria o papel de babá dos seus sobrinhos.

Meu pai passava no terreiro onde minha mãe morava para ir  a um vilarejo, fazer feira, que ficava próximo de lá. Ia a cavalo, e quando se aproximava abordava-a por pura provocação, como era costume desse pessoal antigo, apenas para  irritar,  “zoar” a adolescente. Ele dizia: “Menina, ainda vou me casar com você”. Minha mãe encolhia-se de tanta vergonha.

O tempo foi passando, e eles foram aproximando-se mais, e quando ele vinha da feira,  em outros momentos,  apeava-se do cavalo, pedia água e ficava conversando com o pessoal adulto da casa, enquanto seus olhos procuravam saber onde minha mãe se encontrava.

Em pouco tempo ele ficou mais ainda  inteirado da vida sacrificante, naquela casa, que a moça levava, morando com o irmão prepotente e uma cunhada que em nada aliviava, por ser inexperiente.

Em uma dessas tomadas de água ele perguntou se ela tinha coragem de fugir com ele. Acanhadamente minha mãe não esboçou reação", nos contou Noeme.

De vez em quando nos abaixávamos para que a água do rio nos refrescasse. À margem, o marido de Mônica, Rubem Diniz, tirava fotografia de nós banhistas, mas não desviávamos os olhos de  Noeme. Éramos todas “ouvidos”. Ela voltou a falar:  

“Minha mãe praticamente não namorou. Naqueles tempos o máximo que havia, salvo algumas raríssimas exceções, era apenas a troca de olhares. Um flerte muito de leve com sorrisos acanhados, ou o raro extremo de uma moça de família “se perder”, o que já a levava direto ao casamento.

A vida prosseguia, com meu pai sempre dando um jeitinho de passar em casa de minha mãe. Ele perguntou outra vez se ela tinha coragem de fugir com ele. Ela não o levou a sério, porém seu cotidiano era difícil. Acordava cedo, ia buscar água para encher os potes, quando não o fazia pela tarde. Ajudava no café da manhã, cuidava das crianças. Apesar de toda essa serventia, às vezes era maltratada verbalmente e com abuso de autoridade por parte de seu irmão mais velho.

Um dia, sentindo-se muito  triste,  e vendo o sofrimento dos outros irmãos disse a si mesma: "Se Pedro me convidar outra vez vou fugir com ele".

E aconteceu o que ela esperava. Meu Pai apareceu por lá, e deu um jeitinho, enquanto outras pessoas se afastavam, de  tornar a fazer a mesma proposta em meia voz: "E aí, foge comigo?" Timidamente ela consentiu e ali mesmo marcaram como seria. Não se sabe se naquela mesma noite.

Minha mãe indicou o quarto onde ela dormia. Havia três redes: a dela, a de tia Margarida e tia Raimunda, suas irmãs que dormiam juntas no mesmo quarto.

Tia Margarida começou a desconfiar da aproximação de ambos, mas sempre permaneceu calada. Na hora de dormir   calhou de uma das irmãs trocar de rede e a rede de minha mãe, Luíza, ficou próximo da porta, assim ela não teria que passar por baixo da rede da irmã, correndo risco de acordá-la. Minha mãe preparou uma “trouxa”, improvisada com um lençol, colocou seus escassos pertences, deitou-se e aguardou o barulho de pedrinhas no telhado. Era esse o sinal combinado. Margarida ouviu e entendeu que sua irmã ia fugir, mas tratou de ficar bem quieta.

Amanheceu. 

A esposa de Diomédio, Alaíde, foi preparar o mingau de seu filho mais novo, como de costume, e estranhou a ausência de Luíza que habitualmente levantava cedo para fazer o café. Depois de olhar ao redor dirigiu-se ao quarto   e empurrou a porta que estava “trancada” apenas com um pano que a prendia. Havia uma rede vazia. Constatou Alaíde surpresa. Acordou as outras meninas e quis saber onde estava Luíza. Chamou-a, procurou em volta, mas foi em vão. 

Luíza voara. 

Foi aí que Margarida  expressou sua desconfiança, então todos tiveram a certeza de que Luíza havia fugido.

Meu pai, Pedro, a levou de cavalo para a casa de Ariclídio Arregalado, um abastado fazendeiro, conta Noeme, este residia no Sítio Raposa. Não tardando, o empregado do senhor  Ariclídio veio avisar que a mesma  estava desposada lá.

Meio dia Pedro foi comunicar o fato a Diomédio, e pedir, oficialmente, Luíza em casamento. Logo marcaram a data do  enlace comemorado com um simples jantar, e Luíza assumiu sua nova casa com três filhos.

O tio dos meninos, "Nego", e sua esposa “Baiana”, tão logo Luíza  assumiu o lar, voltaram para suas residências.

Meu pai nasceu em outubro de 1913. Minha mãe nasceu em dezembro de 1929. 

Dezesseis anos era a diferença de idade entre ambos, porém, isso nunca foi  empecilho a essa união. Logo ela adotou a nova família e tudo seguiu seu curso normal, até que a mesma passasse por uma tribulação.

Já casada adoeceu a ponto de prostrar-se, com dores nos ossos. O tratamento foi longo e o alívio parecia nunca chegar”. Concluiu Noeme.

Há controvérsia, mas parece que nesse período Luíza engravidara, e o nome da criança era Emanoel, que veio a falecer em pouco tempo de nascido. Mas ela venceu mais essa etapa difícil em sua vida.

O sol não parou, ante tão interessante história, como se deu no relato bíblico sobre a vida de Josué, o que era pedir demais. Nosso sol seguia seu percurso normal, mas ele,  poeticamente, “alaranjou-se” como um sinal de sonolência ao ouvir tal narrativa, e como alerta de que a noite aproximava-se. Era preciso partir. Foi o que fizemos. 

Parte da continuidade da história eu fui buscar com minha tia Tereza Batista, prima de Luíza, irmã de Pedro, que aos 82 anos (2016) tem uma memória invejável, mais tarde busquei confirmar mais detalhes com a própria Noeme, novamente. Tereza nos conta:

Em 1951 eles foram morar em Mossoró.  Luíza  era o tipo falante comunicativa, falava alto, era muito resoluta e destemida. Herança de sua mãe.

Sua missão era servir. Sempre pronta a socorrer as pessoas doentes, levando-as, inclusive, para outras cidades para tratamento, bondade herdada de seu pai.  Mais tarde, quando se mudou para Mossoró, sua casa parecia um albergue de indigentes.

Pessoas para irem ao dentista, para consultar-se, para serem cirurgiadas, etc. Ela descia rua, subia rua indo à busca de melhoria, de solução para os problemas de outrem, acima de tudo. E era uma pessoa muito firme em sua fé evangélica.

Algum tempo depois Luíza engravidou novamente, era um menino e pôs o nome de Samuel que fatalmente veio a falecer.

Tempos depois uma nova gravidez, dessa vez uma menina e ela deu-lhe o nome  de Daci  que para lamento dela  faleceu também. Tanto um,  quanto o outro, morreu ainda bebê.

Seguindo o ritmo das mulheres, naquele tempo, em que se tinha um filho todo ano, novamente Luíza engravida, desta feita uma menina, e ela deu-lhe o nome de Dacira. 

Dacira nasceu bastante doente e o tratamento constava apenas de consultas e medicamentos que não passavam de simples “remedinhos” ante a doença desconhecida. Ela sentia muito cansaço, o qual lhe alterava a respiração. Levou muitos anos para descobrir o problema da menina, e que era grave.

Apenas na fase adulta fora diagnosticada com enfermidade cardíaca, quando casada e mãe de filhos. Seu coração estava fora do tamanho padrão, de maneira assustadora, disse o médico que a operou, e a válvula mitral estava meio “deteriorada”. Levou bastante tempo para que  Dacira passasse por uma cirurgia, após percorrer uma longa estrada de muitos momentos difíceis, por ser moradora do interior. A própria Dacira me contou esses detalhes de sua vida.

Sentia muito cansaço, ela demorou a fazer cirurgia, não pela recusa dos médicos, mas porque ela tinha bastante medo. Os médicos queriam operá-la, porém ela se recusava. Até que um dia ela ligou para Noeme, que lhe transmitiu muita força e falou para ela confiar em Deus e que fizesse a cirurgia, porque ela teria uma melhor qualidade de vida. Dacira acatou o conselho, e realmente, depois da cirurgia ela teve uma melhora significativa, diminuiu o cansaço e passou a dormir bem, coisa que antes não acontecia.

A sorte não lhe bateu à porta através de um cardiologista competente, ainda criança. Mas depois de muitos anos, e passar por duas capitais, ela encontrou um cirurgião corajoso e profissionalmente capaz.

Após operá-la o médico disse que o caso dela era delicadíssimo, pois ao contemplar o estado de seu coração ele ficara temeroso. O que havia acontecido, após a cirurgia, foi um verdadeiro milagre de Deus.

Dacira era valente.  Estudava com muita dificuldade, considerando seu problema de saúde, a distância a ser percorrida e a má administração pública, para que ela tivesse fácil acesso aos estudos. Casada, aos 48 anos, enfrentou a faculdade de pedagogia, formando-se aos 52. 

Outro parto difícil para Luíza foi o nascimento da filha Ester. Nesse parto ela veio a sofrer bastante, outra vez, não só por causa da gravidez, mas pelo parto em si. Tudo foi muito arriscado. A criança não nascia e ela precisou passar por cirurgia cesariana. Essa cirurgia, nesse tempo, não era tão comum, portanto, assombrava.

No pós-operatório ela pegou infecção e foi um longo período até a completa cicatrização do corte que teimava em não fechar.

A convivência entre os meios-irmãos, filhos de Luíza e da primeira esposa de Pedro, era pacífica, mas pairava certo sentimento de rejeição. Segundo os filhos da primeira esposa, naquela época, Pedro dedicava-se mais à nova família, dando-lhe certa deferência, não oferecida aos filhos mais velhos ou isso não passava de mero ciúme de alguma mente mais retraída. Coisas de adolescentes.  Casos  perfeitamente compreensíveis quando envolve sentimento familiar. Fato que acontece em qualquer família que passe por esse estágio de vida.

Em Mossoró o casal montou uma serraria e movelaria. Meu tio Vicente Batista, exímio marceneiro, trabalhou com  Pedro Batista, seu meio-irmão. Pedro era filho da primeira mulher de meu avô Joaquim Batista. João Alves, meu pai, também trabalhou por um período com Pedro, seu primo.

Em 1969 os negócios começaram a fracassar. Foi um  período muito difícil, comercialmente falando.  Mossoró já não rendia tanto assim, inclusive Pedro já havia comprado um terreno  em um vilarejo próximo. Firmado nisso ele vendeu a casa, a serraria e a movelaria, e foi em busca do que sempre gostou: trabalhar na terra e criar alguns animais.

Pedro resolveu  mudar com a família​ para um lugarejo chamado Riacho Bom Sucesso, distrito de Dix-Sept Rosado, onde tinha o terreno, apelidado de “Ema” ou às vezes   a localidade de sua residência era chamada simplesmente de “o terreno”, como se fosse  sinônimo para uma chácara. Concluiu Tereza, que me narrava esses fatos.

Nesse lugar Pedro teve a oportunidade de viver como sempre desejou, voltando a sua origem que era cuidar da terra. Montou também um pequeno comércio (uma mercearia), para suprir as necessidades das pessoas que moravam no entorno. Transitava com facilidade em alguns meios comerciais e bancários, por conta de sua experiência como dono de micro empresa. Nesse novo negócio, ele plantava e tinha criação de alguns animais (gado, ovelhas, cabras e porcos).

Pedro era uma pessoa admirada. Todos sabiam  que ele era um analfabeto, mal assinava o nome, entretanto era considerada uma pessoa muito inteligente, com tino para os negócios e era um bom comerciante.

Por incrível que pareça muito bom na matemática, na hora de fazer suas contas, apenas “de cabeça”. Era um homem de poucas palavras, falava baixo, muito honesto e correto nas suas ações e em suas promessas; não suportando pessoas que não cumpriam com suas palavras. Era respeitador e muito respeitado, trabalhador e bastante disposto, segundo sua filha Noeme. 

Gostava muito de ouvir, por meio de seu rádio, a “Voz do Brasil”, todas as noites. Entendia bem  e dialogava a respeito das questões políticas  mais simples. Tinha poucas amizades, contudo eram amizades longas e duradouras. 

Nos anos de política era procurado para que fizesse o papel de cabo eleitoral, no que ele cumpria com muita defesa se assim acreditasse nas boas intenções do político, sem nada receber em troca.

Noeme, quinta filha do casal, da segunda família de seu pai, resolveu ir para Fortaleza  com a intenção de estudar e trabalhar, em 1972. Ficou morando por um tempo em casa de sua tia Joana. 

Passado um ano, para melhor comodidade da filha, Luíza comprou uma casa na mesma rua de tia Joana. Luíza decidiu que moraria em Fortaleza. Depois, tanto Pedro como Luíza ficavam indo e vindo. Pedro nem tanto, uma vez que não abandonou seus negócios em “Riacho Bom Sucesso”.

Em 1976, não contente com os resultados em Fortaleza, Noeme decidiu morar em São Paulo, seguindo um costume peculiar dos nordestinos,  resolveu ir à busca do “ouro”, na terra das oportunidades e quem a recebeu foi sua irmã Carmelita, a “Quinha” que mora lá, e estava casada.

Seu desejo era formar-se em jornalismo. Cumpriu o seu sonho frequentando a faculdade. Foi atuante nessa área por 16 anos. Três deles trabalhando em uma editora. Após esse período tornou-se sócia em outra editora durante 13 anos, onde produziam jornais de sindicatos, também material diversos para empresas e ainda revistas e livros. Tempos depois passaria a morar sozinha.

Noeme trazia na veia o gosto político do pai, anos depois ela se filiaria a um partido de esquerda participando ativamente. Por um bom tempo ela trabalhou na equipe de assessoria do ex-deputado, hoje presidente do PPS (2019), Roberto Freire, em São Paulo.

Não muito tempo depois que Noeme se foi, Luíza decidiu vender a casa em Fortaleza para certo senhor conhecido da família.

Essa mesma casa  foi comprada por tia Margarida, depois. Lá, eu, Auzinetti, pude estar presente algumas vezes a passeio, e ficava encantada com os arredores daquele lugar ladeado pelo verde das chácaras, inclusive tive a oportunidade de estar presente no casamento das filhas de tia Margarida, minhas primas. Fui ao casamento da filha mais velha, Nina Diniz, e também da filha caçula  por nome de Vandilma, em tempos idos que já não lembro datas.

De outra feita fiz uma viagem com minha querida Laura, minha mãe, e por umas horas estivemos nessa mesma casa.

Tia Margarida não tinha problema, ainda, com o Alzheimer, ela fazia questão de mostrar as mudanças efetuadas por meio de reformas e nova construção por ela liderada.

Certa vez, cuidando dos animais, Luíza recebeu o coice de um jumento que atingiu a mama  e a inflamou bastante. Ela resolveu aplicar apenas os cuidados próprios daquela gente do interior. Contudo ela passou por alguns médicos, é que a doença não era tão conhecida, como atualmente, e os meios não eram tão favoráveis. Não se tinha um diagnóstico preciso.

Passado bastante tempo ela começou a sentir dor no seio e  quando o apalpou percebeu que havia um nódulo.

Não suportando mais, em 1981 foi para Fortaleza a busca de tratamento e ficou hospedada em casa de Tia Margarida, ou seja, em sua ex-residência. Lá em Fortaleza já morava sua filha Ester e o esposo, em um interior próximo.

A estada de Luíza  estendeu-se um pouco, dado os procedimentos, como consultas, demora nos resultados dos exames, etc. Nesse meio tempo seu marido adoeceu. Bastante, preocupada, Luíza abandonou o processo de consultas e foi para casa, no interior, cuidar do esposo que estava bem doente. Sarado o marido, ela não se preocupou em voltar para  dar continuidade ao tratamento.

Em Julho de 1982, Pedro Batista  acordou cedo, como de costume. Colocou em ordem algumas coisas, fez a barba  e aprontou-se vestindo sua melhor roupa, pois planejava ir a Mossoró  para resolver  alguns problemas  de interesse comercial. Despediu-se de Luíza e de quem estava lá. Entrou em seu fusca azul e saindo de casa rumou para a estrada (hoje asfaltada), que ficava a poucos metros de seu domicílio, estrada esta que a levaria ao seu destino.

Mas no meio do caminho de Pedro havia uma placa sinalizando alguma coisa. Era um pouco grande e cobriu lhe a visão, e quando Pedro colocou metade do Fusca na estrada sentiu forte impacto que jogou o carro para fora da mesma, pois o outro carro que vinha no mesmo sentido atropelou o fusca ao meio, jogando-o  para longe.

O solavanco e a forte pancada fez com que Pedro fosse atirado para fora do veículo sofrendo horrível acidente. Pedro morreu quase no terreiro de sua casa.  

Todos correram para acudir aquele homem ferido, deitado no chão. Nada pôde ser feito, Pedro já tinha se ido. Não no rumo que planejou. Nenhum outro rumo causaria tanta dor naquela manhã.

Talvez um anjo tenha dito: “Oi, Pedro,  desculpe a maneira terrivelmente desastrosa, mas hoje é o dia de você voltar para o seu verdadeiro lar. É o dia de você ir para os braços do Pai”. Ele foi.

Após a morte do marido, Luíza resolveu morar em Fortaleza, junto à irmã Margarida e a filha Ester, mas novamente apegada ao seu lugar interiorano no Rio Grande do Norte, voltou para “Bom Sucesso”, nome contrastante com os momentos dolorosos vividos por ela, agora. Muitas decisões teriam que ser tomadas.

Luíza voltou  para finalizar o tratamento, pois sentia que algo não estava bem em relação a sua mama.

Em 1989 ela decidiu que iria fazer o tratamento completo em Goiânia. Lá ficaria em casa de seu irmão Pedro, que a recebeu muito bem e proporcionou-lhe as melhores comodidades para o referido restabelecimento.

Em Goiânia também já estava, novamente, sua filha Ester, todavia ela preferiu ficar em casa de seu irmão,  até porque Ester morava em uma fazenda. Quis o destino aproximar as duas, outra vez. Elas sempre se comunicavam. Uma ajudando a outra.

Na capital Goiânia iniciou-se os procedimentos de praxe. Outra vez consultas, exames, até que o médico indicou a cirurgia.  O médico alertou a família que o caso dela era gravíssimo. Com o resultado em mãos da biópsia toda a família tomou conhecimento do que suspeitava. Mas a esperança teimosa insistia em acreditar que, possivelmente haveria um milagre. Após a biópsia foi retirada a mama de Luíza. 

Luíza passou a repetir a mesma pergunta: “O que é que eu tenho?” E a resposta ​se dava por meio de evasivas aqui e ali. Ela sentia dores fortíssimas por todo o corpo. 

Na expectativa de um tratamento por meio de diagnósticos de médicos mais experientes, sua filha Noeme, no início de 1990, levou-a para São Paulo. 

Seu estado era bastante crítico. Para que Luíza não fosse parada pela empresa aérea,  foi vestida com esmero, com roupas bem sóbrias e feito uma boa maquiagem. Ela que outrora foi a escudeira de tantos, agora era conduzida por sua irmã Margarida.

​Não muitos meses depois aceitaram, pasmados, que não havia solução para o caso de Luíza, pelas mãos dos médicos, mas a ela nada contaram.

Ainda em São Paulo havia dúvidas se contavam ou não a verdadeira situação em que ela se encontrava e Noeme questionou: “Quem contará? Eu não tenho coragem”. 

Noeme foi para o seu quarto e resolveu tirar um cochilo, precisava recompor as forças. Minutos depois foi acordada por certo burburinho, Pedro, irmão de Luíza, que havia sido chamado anteriormente para ajudar-lhe no que fosse preciso, inclusive dar-lhe apoio, contou-lhe a verdade.

Pedro tomou a decisão de satisfazer-lhe seu desejo e achando que ela tinha o direito de saber sobre o histórico de tal doença, falou: “Minha irmã, o seu problema é câncer, e não há mais jeito para essa situação, conforme informaram os médicos”.          

A reação dela foi surpreendente e espantosa. Glorificou a Deus dizendo que ficaria livre do sofrimento e começou agradecer-Lhe e dizer que estava indo ao encontro do Pai.

O novo tratamento, tão desejado em São Paulo,  não aconteceria.  Luíza estava  irremediavelmente desenganada.  Parte de seu corpo estava tomado pela metástase. Luíza sentia dores insuportáveis, mas mesmo assim queria voltar para a casa de seu irmão. Essa volta parecia impensável, dada as crises, mas ela insistiu tanto que novamente foi preparada e colocada em uma cadeira de rodas.

Voltaram novamente para Goiânia. Maquiada, para disfarçar a palidez e o abatimento, e embarcada, Luíza viajou orando durante todo o tempo que durou o trajeto, segundo ela mesma confidenciou para os mais próximos, e Deus não deixou que uma só dor a maltratasse causando-lhe uma crise e algum problema mais sério naquele voo. 

Luíza queria duas coisas: uma era saber o que tinha, e a outra era rever os demais irmãos espalhados no estado do Nordeste, dentre eles seu irmão mais velho, Diomédio. Falava no desejo de revê-lo mais do que aos outros.

Pedro havia ligado anteriormente para seu irmão Diomédio, pedindo que o mesmo reunisse os outros irmãos e viessem ao encontro de Luíza, que dali a pouco poderia partir.

Diomédio, no entanto, alegava  as muitas responsabilidades. Embora fizesse bastantes promessas, no que diz respeito a visitar sua irmã, não as  cumpria.

Pedro sempre desejoso de resposta. Isso já estava irritando-o. No passado fora evangélico, não se sabe se de maneira convicta, mas uma coisa sabe-se: ele é uma pessoa de firmeza espiritual, embora não frequente uma igreja evangélica há muitos, anos não perdeu sua fé e temor a Deus. Anos depois isso mudaria.

Ele comovia-se e se magoava com a indiferença de seu irmão que parecia não fazer esforços para vir até Goiânia. Movido pelos insistentes pedidos de sua irmã, Pedro dobrou os seus joelhos em plena luz do dia, em uma fazenda onde se encontrava, e clamou: “Deus, eu lhe peço, que em nome de Jesus, o Senhor toque no coração de meu irmão Diomédio,  que o Senhor incomode aquele homem, e traga-o até aqui, e que ele venha rever a irmã pela última vez. Incomode seu coração e sua consciência  de maneira que ele seja comovido e convencido”​.

Deus ouviu.  

Diomédio contou que nasceu em si uma urgente necessidade de rever Luíza, e preparou a viagem, vindo de Apodi, Rio Grande do Norte, passou em Petrolina, pegou meu pai João Alves, e foi à busca de Braz, juntamente com Ozir, a  segunda esposa de   Diomédio, e Dacira. Enfim chegou a Goiânia para visitar sua irmã, inclusive isso foi registrado em fotografia apesar do grande abatimento de Luíza.

Pouco tempo depois que os irmãos partiram de volta, Luíza passou muito mal e foi internada. Em novembro de 1990, alguns dias após a volta dos irmãos, Luíza foi ao encontro daquele que tanto ansiava, o qual, segundo ela cria, tinha o bálsamo que poria fim, eternamente, às suas dores, ao seu sofrimento. Foi encontrar seus pastos verdejantes, junto às águas tranquilas.

Luíza, quando faleceu, deixou sete filhos. Quatro biológicos e três enteados. 

A personalidade do casal era assim: ele tão rocha, ela tão centelha, prova disso era  que o semblante de Luíza irradiava alegria em fagulhas por onde passava, e se existia nela uma marca, essa marca se chamava “sorriso solidário”.

O significado do nome “Luíza” é “guerreira”, “combatente”.

A vida nos reserva certas surpresas e o que nos têm surpreendido ultimamente foi o fato de conhecermos os filhos de Dacira.

No mês de fevereiro, e no mesmo dia, fazem aniversário o filho de Dacira, Daniel Marcolino e meu pai João Alves. Em fevereiro de 2017 Daniel, neto de Pedro Batista, convidou meu pai para juntos comemorarem o aniversário de ambos em casa deste, no Rio Grande do Norte. Meu pai aceitou.

Chegamos lá por volta das duas horas da tarde. Foi um prazer e uma alegria conhecer novos familiares, meus primos, rever minha prima e o esposo de Dacira, Manoel Marcolino, vulgo seu “Né”, que tinham estado no aniversário de meu pai no ano passado (2016).

À tardinha eles iam fazer umas compras em Mossoró, vinte e oito quilômetros de onde estávamos. Eu adorei, pois assim teria a oportunidade de ficar com minha tia Maria em Mossoró. Assim o fiz. Lá encontrei outra leva de parentes que vieram de Petrolina. Era “temporada de férias”. Fomos à praia em Tibau e foi uma algazarra maravilhosa.

Na noite do aniversário de Daniel lá comparecemos todos. Tudo foi ótimo e muito animado, tendo sempre primos para nos ser apresentados.

Infelizmente o esposo de Dacira não pôde participar, estava acamado com sérios problemas nos joelhos, que estavam bem inchados e lhes tinham causado dores fortíssimas, além de um probleminha nos rins, mas nada muito sério.

Vez em quando íamos ao quarto dele. Conversei com ele bastante. Ele falou da saudade de minha mãe, de como gostava do alegre jeito dela. Lemos a Bíblia, cantamos hinos, contou-me como “aceitou” a Jesus. Ele estava alegre.

Voltamos para Petrolina. Menos de dez dias recebemos uma notícia que nos chocou bastante, seu “Né”, como nós costumávamos chamá-lo, havia falecido, nesse mesmo ano de 2017. O espanto nos tomou conta. Não havia doença nele para que ele morresse, assim, tão de repente.

Conversando com Dacira, ela disse que ele ficou meio triste com o diagnóstico do médico, mas nada grave.

Logo cedo o pastor dele passou em sua casa e ele afirmou que naquela manhã havia pensado muito nele e que estava feliz com a presença do pastor.

Leram a Bíblia, cantaram louvores a Deus e ele parecia bem. Em pouco tempo ele passou mal e o levaram à emergência. Infelizmente “Seu Né” enfartou, vindo a falecer. Tudo muito rápido. Dacira reconheceu que foi Deus quem o recolheu, isso a consolava, apesar da imensa tristeza.

Toda a família Batista/Alves teve sua cota de dor nesses anos, uns em nível mais elevado, dado o grau de parentesco, entre si. Para Noeme o revés da vida fora muito duro, começando por 2015 quando perdeu Deyvison Wilker, filho de seu sobrinho, neto de Dacira, que tinha apenas 13 anos, por atropelamento na mesma BR onde se deu a fatalidade com seu bisavô Pedro.

Em março de 2017 perdeu seu cunhado, Manoel Marcolino. Em junho sofreu ela mais um grande baque com a morte de sua querida irmã mais velha, Dacira. Eu havia conversado com Dacira poucos dias depois da morte de seu marido. Ela parecia bem. No entanto deprimiu-se com a morte de seu esposo e seu coração não resistiu. Em setembro desse mesmo ano se deu, também, o falecimento de seu estimado primo, Rubem Diniz, o qual costumava visitá-la em São Paulo, de tempos em tempos, ou se reencontravam costumeiramente nos eventos familiar. Àquele que estava conosco nos fotografando às margens do rio São Francisco. Ele sofreu AVC hemorrágico quando se encontrava em Angola, país africano, onde trabalhava. Seu corpo foi transportado para o Brasil. Foi enterrado em Fortaleza. Sua morte causou muita dor à família.

Em março de 2018 ela foi outra vez surpreendida pela morte de seu meio irmão Silvino, apelidado também de “Nego”, filho da primeira esposa de seu pai. Assim é a vida. Todos estão sujeitos. A morte, cedo ou tarde, é inevitável, só não esperamos que seja tão cedo e tão sequencial. Porém, o importante é termos equilíbrio ante a fatalidade.

Noeme, tal qual sua mãe, é considerada pela família uma guerreira e 2019 foi o ano de um novo recomeço, de uma nova etapa. Após trabalhar quase nove anos com o ex-deputado Roberto Freire, ela passou a trabalhar em uma secretaria da prefeitura de São Paulo.

Teve um período em sua vida que ela, espiritualmente, desacreditava de tudo. A família, mais distanciada, a tinha por ateia. Mas dois anos atrás ela foi se chegando de mansinho ao ensino de seus pais e passou a frequentar a Igreja Batista de Água Branca (IBAB). Agora em 2019, confirmando sua conversão à fé cristã evangélica ela foi batizada.

A vida é uma vaquejada, usando aqui uma figura de linguagem interiorana, tão própria daquela região em que morava Luíza e Pedro. Muitas vezes a vida nos mostra que somos um cavaleiro montado em um cavalo veloz ao lado de um touro bravo. Vez em quando você arremessa seu pé contra ele, outras vezes ele arremete contra você, outra hora ele fica para trás, por que você foi mais veloz, mas vez em quando ele  torna a lhe alcançar. 

Em outros momentos você “cai do cavalo”, literalmente, mas é preciso levantar-se, analisar todas as possibilidades e continuar a sua jornada. Talvez a situação que você imaginou não seja tão “real” e ela foi proporcionada pelos dilemas da vida, pelas cruezas de sentimentos em nossos corações. 

Situações criadas ao longo dos anos,  apenas por um “velho touro”, que em seu  irracionalismo não passa de um marruá, mas requer cuidado. ​ Não podemos deixar o touro nos pisotear. 

Há um prêmio no final da estrada, apesar do cansaço, quem vai ganhar? Nós ou touro? A escolha é nossa.  

Às vezes estamos rodeados de touros,  agarremo-los, um a um. A vitória tem que ser nossa. Mas quando o  amor,  a experiência,  a tolerância tiver nos alcançado, se instalado de vez, haverá paz, compreensão, e perceberemos que certas lembranças, que um dia foram tão dolorosas, agora já não doem  tanto quando dela lembramos, porque o tempo tudo cura, e Deus até  cicatriz  arranca.

 

 

***